domingo, 21 de março de 2010

Outro Lado

Ficheiro:Grande Sertao Veredas 1.jpg



Santiago Cruz riscava a estrada a 140 por hora num daqueles volks de caçamba, dois lugares. Vermelho, queimado de sol, o retrovisor direito quebrado.

Break on Through, no talo.

Depois de um raro aclive, uma curva à esquerda rasgava a monotonia dos últimos 50 kilômetros de reta. Um pequeno mergulho e ali estavam postadas as duas criaturas.

Ele passou voando, mas guardou alguns fotogramas na memória.

Quadro a quadro, viu o fim de uma vereda que se transformava num breve milharal, as bonecas florescendo acima das espigas, sinal de que a colheita já tardava.

Mas isso, Santiago não sabia. Não era de seu mundo, e sim daquela coisa paralela que se derramava pelas bordas da estrada em direção ao curto riacho que dava sentido à vereda – e aos habitantes do milharal. Mancha úmida no meio de terra seca, de pequenas árvores retorcidas, raras palmeiras.

Mato, milho, asfalto.

Mato, milho, asfalto, um rosto chupado emoldurado por uma pasta de cabelo ralo.

Mato, milho, asfalto e um rosto: pendurado logo abaixo dos fios sobre o crânio, um nariz e lábios finos.

De criança para a adolescência.

Mato, milho, asfalto.

Com o alguém, algo.

Parecia um outro alguém, mas era algo. Cara de coisa, jeito de bicho, olhar de gente. Mãos, ou qualquer coisa que o valha, agarrado às mãos da menina. Santiago achou que era uma menina, ou assim lhe pareceu melhor.

Calculou se aquilo era efeito do último baseado, junto com Doors, a velocidade e o calor. Mas sabia, no fundo, que era mais complicado. Entrava em outro lugar.

O Grande Sertão.

Terra dos quase, ou mais-que, gente. Terra de Catrumanos.

Um outro lado.

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